se os chinelos do ditador falassem...

11 de março de 2011

O cheiro a erva e a ervas aromáticas e a erva cortada e pisada e desfeita; roubar folhas à cidreira, hortelã, eucalipto, esfregar nas mãos e cheirar manjericos; tapar destapar tapar destapar abrir a janela cheirar erva e ervas; temperatura corporal da noite, bafo quente, o sol a queimar atrás do horizonte

- Olha o mar a ferver, os peixes vão cozer (nunca gostei de peixe cozido)

e as sardinhas a entrarem em gás pelas narinas, o cheiro nauseabundo do peixe cru a misturar-se com o alho, o fumo das brasas, a gordura a pingar e as brasas icendeiam-se (o sol a queimar atrás do horizonte e o mar a ferver

- Olha o mar (e eu que nunca gostei de peixe cozido)

e dores nos pés distraídas entre dois goles de cerveja fria, gelada, dores de garganta, o cérebro a congelar (e os peixes a cozer ainda), a delirar com luzes e gambiarras de parede a parede na rua e fogos-fátuos artificiais a explodir no céu e o cheiro do fumo a misturar com o cheiro das brasas, a pólvora e o carvão (não fora a alegria e isto era o inferno)

- O inferno são os outros,

e aqui há tantos outros tantos, o chão perdeu-se, os pés perderam o chão e o corpo flutua e segue o caminho da multidão, a ponte desencaixa-se dos pilares e balança perigosamente, passo controlado na ponte que o rio passa em baixo e só pára no mar e no mar estão os peixes

- Os peixes vão cozer

e eu nunca gostei de peixe cozido; seguir caminho e acabar na areia ao fim da noite, aliás início de dia, aliás fim de noite, já nem se sabe, e os peixes afinal ainda vivos e só um na areia e duas gaivotas a baterem-se furiosamente pelos restos do peixe (uma sardinha?) e lavar a noite no sal e na água e voltar para casa, dormir o resto do dia para acordar a pensar se aconteceu ou se foi sonho e deve ter sido sonho mas eu ainda cheiro a fumo

(- O inferno?, são os outros)

aconteceu de certeza que as minhas mãos ainda cheiram a cidreira, hortelã, eucalipto e manjerico.


Ontem cheirou-me a Verão.

Sem comentários:

Seguidores